PARECER
Objeto: análise dos projetos enviados pelo Governo Yeda à Assembleia Legislativa que modificam as carreiras dos servidores públicos civis do Estado do Rio Grande do Sul
INTRODUÇÃO
O Parecer que segue foi elaborado por solicitação da Diretoria Central do CPERS/Sindicato e fará uma análise jurídica dos projetos enviados pelo Governo do Estado à Assembleia Legislativa, no dia 17 de novembro de 2009, atingindo direitos dos servidores públicos civis e suas carreiras.
Analisaremos, portanto, a Proposta de Emenda à Constituição Estadual nº 200/2009 e os Projetos de Lei nº 333, 334 e 335.
Além dos projetos, o Governo enviou à Assembleia dois pedidos de regime de urgência na tramitação dos mesmos, o que, na forma do artigo 62 da Constituição Estadual, obrigará o Parlamento a apreciá-los em 30 dias, ou seja, antes do período de recesso que se inicia em 15 de dezembro. De um lado isso obriga a Assembleia Legislativa a realizar a votação dos projetos em curto período, abreviando o debate e, de outro, se tal prazo não tiver sido obedecido, estarão criadas as condições para a convocação extraordinária, dentro do recesso, na qual a deliberação é absolutamente sumária.
Portanto, o momento e a forma de envio dos projetos à Assembleia são absolutamente convenientes ao Governo, que necessitará enfrentar, por curto período, as contestações existentes.
Feitas essas considerações preliminares, passamos a enfrentar o mérito dos projetos.
A) Proposta de Emenda Constitucional nº 200/2009.
A Proposta tem apenas dois artigos. Um que revoga o § 3º, do artigo 31 e os §§ 3º e 4º, do artigo 33, da Constituição do Estado. Outro que estabelece o imediato início do prazo de sua vigência.
Como ironia, a Justificativa da Proposta diz que tem a finalidade de permitir acréscimos e aperfeiçoamentos à Lei nº 10.098/1994 (Estatuto dos Servidores), visando valorizar o mérito nas carreiras.
Atinge todas as carreiras de servidores públicos civis e, portanto, o magistério, os servidores de escola e o quadro geral.
O § 3º, do artigo 31, da Constituição do Estado, é aquele que assegura a existência de promoções alternadas, por critérios objetivos e alternados de antiguidade e merecimento, nas carreiras. Sua supressão permitirá que o Estado modifique o Estatuto e todos os planos de carreira para estabelecer quaisquer critérios para realização de promoções.
O § 3º, do artigo 33, da Constituição do Estado, assegura a concessão de gratificações e adicionais por tempo de serviço, a todos os servidores, por critérios uniformes nas condições de aquisição do direito. Sua supressão representa a possibilidade de que desapareçam, no Estatuto e nos planos de carreira, as vantagens por tempo de serviço, ou que sejam criadas de forma diferenciada para cada categoria.
O § 4º, do artigo 33, da Constituição do Estado, assegura aos servidores as Licenças Prêmio, de três meses remunerados, concedidas a cada 5 anos, por assiduidade. Sua revogação permitirá a supressão desse direito consagrado no Estatuto.
B) Projeto de Lei nº 335/2009
Esse projeto dá conseqüência à PEC 200/2009. Assim como a Proposta de Emenda à Constituição é abrangente, pois, ao modificar diversos dispositivos do Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado (Lei Complementar nº 10.098/1994), atinge todas as categorias. Tem, ainda, definições de fundo quanto às pretensões futuras do Governo em relação aos direitos do funcionalismo, visto que estabelece parâmetros para a criação de novas carreiras.
Para melhor visualização das modificações propostas na Lei nº 10.098/1994, faremos a sua apresentação através de uma tabela comparativa, em anexo, com comentários sobre cada dispositivo alterado.
O projeto indica, ainda, quais serão os parâmetros das novas carreiras que venham a ser criadas, que não valorizarão tempo de serviço. Conforme se pode ver do texto abaixo transcrito, o caput do artigo 8º e o parágrafo único demonstram que a Administração, se aprovado o projeto, colocará muitas das atuais carreiras em extinção, abrindo aos servidores o direito de optarem por novas, que seguirão esses parâmetros.
Art. 8º - As carreiras criadas ou reorganizadas em sua estrutura, a partir da vigência desta Lei Complementar, deverão observar o disposto a seguir:
I - Valorização do servidor, oportunizando a participação em cursos de capacitação e aperfeiçoamento como forma de ascensão profissional;
II - Promoção na carreira, obedecendo unicamente ao critério de merecimento, a ser avaliado mediante fatores objetivos, na forma a ser definida em lei ou regulamento;
III - Garantia dos avanços já concedidos ou em andamento, quando couber, não havendo a partir de então novas concessões de avanços, nos termos do art. 99 da Lei Complementar nº 10.098/94;
IV - Garantia dos adicionais por tempo de serviço já concedidos e das parcelas de adicionais proporcionais ao tempo já cumprido até a data de publicação das respectivas leis, quando couber, não havendo a partir de então novas concessões, nos termos do artigo 115 da Lei Complementar nº10.098/94.
Parágrafo Único - Nas hipóteses do caput, quando couber, poderá ser facultada ao servidor a opção pelo enquadramento no novo cargo ou permanência no cargo até então titulado, o qual será extinto quando vagar. (grifos nossos).
Na hipótese de migração o servidor ficará premido pelos prejuízos, do já conhecido esquecimento, que marca as situações de permanência em uma carreira em extinção, e a renúncia “voluntária” ao anunciado respeito aos direitos adquiridos, para poder se enquadrar no novo cargo.
C) Projeto de Lei nº 333/2009
O projeto de Lei nº 333 cria uma remuneração mínima para o magistério, de R$ 1.500,00, para os vínculos de 40 horas semanais, e de R$ 750,00, para os vínculos de 20 horas semanais, seguindo a mesma proporção para as jornadas com outras cargas horárias produto das convocações por número quebrado de horas (exemplo: 25, 28, 30 horas). Aplica-se aos servidores ativos e inativos do magistério, não sendo extensivo aos servidores de escola.
Trata-se, portanto, de um completivo, pago sempre que o total das vantagens mensais, excluídas a ajuda de custo, diárias, salário família ou abono família e o terço de férias, não atingir esse valor mínimo. Ou seja, somam-se todas as vantagens, inclusive GDs, vale-transporte e vale-alimentação. Esse complemento não incidirá sobre o básico, não será incorporável e será variável, dependendo da estrutura de ganhos de cada servidor, podendo desaparecer se a conquista de alguma vantagem pessoal alterar a remuneração, atingindo a valor estipulado.
É preciso esclarecer, ainda, que o projeto não trata do piso do magistério previsto na Lei Federal e defendido pela categoria. Da mesma forma, diferentemente do piso nacional, não tem um mecanismo de reajuste periódico, o que pode acarretar que seu valor fique congelado por longo período.
D) Projeto de Lei nº 334/2009
Esse projeto, em síntese, cria um mecanismo através do qual, em cada ano, o Estado vai apurar se ocorreu um superávit no orçamento do ano anterior, para conceder em março reajuste ao magistério e aos servidores de escola.
O mecanismo proposto compara receitas e despesas dos dois últimos anos para encontrar o montante, que chama de resultado positivo.
Diante da existência do chamado resultado positivo realizará um rateio de 15% do valor correspondente que, através de uma fórmula, será transformado em índice de reajuste aplicável aos vencimentos do magistério e dos servidores de escola.
Independentemente das objeções financeiras e políticas que podem ser levantadas contra o projeto há dois vícios de inconstitucionalidade que o atingem.
Primeiro o que decorre do fato de que a Constituição Federal, no inciso X, do artigo 37, determina que os reajustes de vencimentos sejam anuais, para todas as categorias de servidores, sem distinção de índices, estando seu fundamento assentado na necessidade de recomposição das perdas inflacionárias.
O mecanismo de reajuste previsto no projeto, que não é aumento nem realinhamento, nasce, assim, com vício jurídico, que sabidamente o Estado conhece. É, portanto, duvidosa a intenção do Governo ao propor um projeto com esse conteúdo.
Por outro lado, é, também, bastante conhecida a jurisprudência dos Tribunais que, invocando o disposto no inciso IV, do artigo 167, da Constituição Federal, entende ser vedada a vinculação de receita de impostos a despesas, exceto aquelas previstas em seu próprio texto, como as do custeio da educação e da saúde.
São inúmeras as leis com esses mecanismos que foram derrubadas nos Tribunais, pelos próprios governos que as criaram, como, por exemplo, o índice variável chamado IRGS, previsto na Lei nº 10.395/1995 (Política Salarial do Governo Britto).
Nesse sentido, mais uma vez, não podemos acreditar que o Governo desconheça esses precedentes e esteja sendo sincero na proposta apresentada.
CONCLUSÕES
Diante de projetos com o conteúdo dos que acabamos de analisar, as constatações jurídicas terminam por ser meros subsídios para conclusões e encaminhamentos que devem ser essencialmente políticos.
É indispensável que se diga, ainda, que os projetos, ao contrário do discurso do Governo, não se destinam a criar ou reforçar a existência de carreiras de estado. Essas últimas, têm caráter permanente e se fundamentam em critérios impessoais. As proposições apresentadas se assentam em parâmetros de governo, que são as metas de gestão, submetendo-se, inclusive, aos crivos ideológicos e temporários dos partidos do poder.
A análise feita, produzida em menos de 24 horas, pode ser aprofundada, especialmente com referências doutrinárias e jurisprudenciais. Entretanto, de momento, julgamos estarem sendo apresentadas, com este Parecer, os elementos fundamentais, à apreciação de Vossas Senhorias, colocando-nos ao inteiro dispor para complementá-los, se necessário.
Porto Alegre, 18 de novembro de 2009.
JORGE SANTOS BUCHABQUI
OAB-RS 11.516
Assessoria Jurídica do CPERS/SINDICATO
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
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